Os atores públicos devem possuir a exata noção entre o exercício da autoridade e aquele do poder.
Por Fausto Martin De Sanctis.
O tema corrupção ainda provoca muito alarde, um indicativo de que não é entendido como parte das “regras do jogo” ou da “manutenção de governabilidade” ou “em política quase tudo é permitido” ou, finalmente, como algo do senso comum, que “sempre foi e é assim”.
Trata-se de questão que está a exigir soluções. Para tanto, sugere um campo de compreensão social que deve se iniciar no indivíduo. Requer a adoção de uma forma de agir que nasça no âmbito de ação de cada um de molde a refletir-se no tecido social como um todo, inclusive no campo político-social. Algo a ser defendido contra a apropriação privada tendo por base o bem comum.
Os atores, quando públicos, devem possuir exata noção entre o exercício da autoridade e o do poder, caso em que passam a servir e não a ser servidos. O primeiro constitui a faculdade de fazer de boa vontade, como deferência aos atributos da honestidade, exemplaridade, respeito e atitude. Já o segundo significa a capacidade de exigir pela força, pela coação, devendo apenas ser exercido quando quebrado o uso legítimo da autoridade.
Os particulares, por sua vez, não podem compactuar com tolerâncias recíprocas, alianças e cumplicidades que acabam mantendo uma determinada ordem social, ao mesmo tempo em que comportam movimento de constante negociação e consentimento de acordo com as forças em disputa, até o momento em que o Estado se vê ameaçado mesmo em seus fundamentos.
Logo, a definição do que será ou não tolerado depende da posição de todos nós, agentes públicos ou não.
O exercício do “mal público” não seria, pois, exclusivo dos servidores, porquanto a troca de favor entre quem detém o poder econômico ou o de disposição de vantagem ilícita e aquele que possui o poder de decisão requer a atua-ção de alguém que almeja práticas ilegais e injustas.
A corrupção significa, claramente, o desprezo real pelo amor ao próximo, pelos valores permanentes de Justiça. É a coroação do egocentrismo. Compreende a perda da medida do que é vida justa em comum.
Suas causas são conhecidas com realce:- instituições deficientes, falta de transparência, brechas legais, mecanismos inadequados ou insuficientes de controle e avaliação.
Se a democracia significa um conjunto de regras fundamentais que estabelece quem está autorizado a tomar decisões, de que forma e em nome do interesse público, ela se vê ameaçada quando a corrupção apresenta-se sistêmica (“jeitinho” em todo lugar).
O Poder Judiciário assume importância crucial enquanto instrumento de controle diferencial das desigualdades, o qual não pode referendar a desordem calculada, ou seja, a relação instável entre o legal e o ilegal, uma vez que passaria a se constituir num instrumento que ratifica, dada a insegurança jurídica, a estratificação ou a desigualdade. Daí por que deve refletir o seu papel. Não se pode esquecer que um sistema judicial criminal tímido ou inoperante torna ineficiente qualquer mecanismo legal e institucional projetado para conter o crime de maneira eficiente e honesta.
O poder político (Executivo e Legislativo), por sua vez, deve se afastar das irresoluções políticas com a edição de leis, códigos ou regulamentos inadequados- ou ineficazes (complexidades para vender facilidades), numa equação em que o universal (a impessoalidade) é dirigido para o benefício de poucos.
A imprensa possui também papel primordial, já que, dentre outras funções, assume atividade informativa e, eventualmente, investigativa, quando da inércia ou do mau funcionamento dos órgãos competentes.
Se desejamos um país melhor, devemos tomar a luta para nós, denunciando, protestando, cobrando e, principalmente, servindo de exemplo.
É necessário fazer a polícia, o Ministério Público e o Judiciário trabalharem melhor, não com alterações risíveis do Código de Processo Penal, que visam amesquinhar a função judicial do compromisso com a verdade real- (estabelecendo um juiz autômato) ou torná-la de uma complexidade inútil e desnecessária com criação de mais um juiz atuando em primeira instância, com evidente perda de conhecimento sobre os fatos (juiz das garantias).
Apontam-se as seguintes sugestões:
1. Reforçar a liberdade de imprensa como preceito indispensável à sociedade democrática e instrumento vital ao Estado de Direito, vedando-se qualquer tentativa de manipulação e controle.
2. Reconhecer a legitimidade do uso das Técnicas Especiais de Investigação (Delação Premiada, Interceptação do Fluxo de Dados, inclusive telefônicos, Transferência de Sigilos, Ação Controlada etc.), bem como admitir denúncias anônimas, desde que consistentes, atendendo à Convenção da ONU contra a Corrupção.
3. Extinguir o Foro por Prerrogativa de Função, tanto nos casos de crimes propriamente ditos quanto para a apreciação da Ação de Improbidade Administrativa (nas hipóteses de crime de responsabilidade configurada), diante da notória complexidade e morosidade.
4. Premiar não somente o delator (Delação Premiada), mas também as pessoas que colaborarem para a recuperação de dinheiro desviado, com uma porcentagem sobre este.
5. Tipificar, atendendo à mesma Convenção da ONU, o crime de enriquecimento ilícito para o funcionário público que possuir, mantiver ou adquirir- para si ou para outrem de forma injustificada bens ou valores de qualquer natureza incompatíveis com a renda ou com a evolução patrimonial.
6. Criar a Ação Civil de Extinção de Domínio para recuperação no campo cível de valores ilícitos sem que haja necessidade de uma sentença penal.
7. Ampliar a Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas para a Lavagem de Dinheiro como preconiza a Constituição Federal e recomenda o Grupo de Ação Financeira Internacional sobre Lavagem de Dinheiro (Gafi).
8. Extinguir a prescrição da pretensão punitiva intercorrente (que ocorre após o trânsito para a acusação).
9. Estabelecer a independência funcional e administrativa da Polícia Federal.
10. Redefinir o instituto do habeas corpus- para abarcar a possibilidade de impetração aos casos de violência ou coação da liberdade de locomoção nas hipóteses de nulidade manifesta e quando não previsto recurso com efeito suspensivo.
11. Regulamentar o transporte de valores em espécie em âmbito nacional para as Pessoas Físicas.
12. Exigir a identidade completa dos beneficiários, a obtenção da qualificação dos reais investidores, ainda que pertencentes a empresas com sede no exterior, e a identificação dos sócios e administradores que se encontram ocultos em offshores domiciliadas em paraísos fiscais.
13. Incriminar a não comunicação de operação financeira, o seu retardamento, a prestação incompleta ou falsa, bem como a estruturação de transações ou operações para inibir comunicação obrigatória.
14. Estabelecer critérios de nomeação de ministros e conselheiros dos Tribunais de Contas e Superiores, bem como de advogados e membros do Ministério Público (Federal ou Estadual) ao quinto constitucional, para evitar tentativa de ingerências políticas, reforçando a credibilidade das decisões e prevalecendo o prestígio do cargo, que é público.
15. Criar forças-tarefas permanentes para estudo específico de informações obtidas, com regramento claro para seu funcionamento.
16. Obrigar que o mesmo membro do Ministério Público tenha atribuição para crimes de corrupção e para as ações de improbidade administrativa.
17. Aprovar lei que verse sobre intervenções de interesse (lobby), bem ainda conflito de interesses entre as atividades públicas e privadas dos agentes públicos.
18. Obrigar a comunicação de operações suspeitas pelos profissionais que prestam serviços não financeiros (contábeis, de assessoria etc.), bem como pelos Cartórios de Registro de Imóveis.
Os governantes devem entender que o único pronome possessivo a ser invocado nessa questão é o da primeira pessoa do plural, ou seja, o nosso, do povo brasileiro. Do contrário, não há defesa intransigente dos verdadeiros valores sociais.
Fausto Martin de Sanctis é juiz federal e escritor
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