Da cruz não se desce, disse
o cardeal polonês Stanislaw Dzinisz, lembrando uma frase de seu conterrâneo
Carol Wojtila, o papa João Paulo II. Mas o sucessor de Wojtila, Bento XVI (que,
depois de 28 de fevereiro voltará ao nome “civil” de Joseph Ratzinger), desceu,
e é difícil acreditar nas razões que alegou na carta que distribuiu nesta
segunda feira (11) anunciando a decisão.
Bento XVI certamente ficará
na história como o tenaz combatente contra o marxismo, responsável por
desmontar a Teologia da Libertação desde o tempo em que esteve à frente da
Congregação para a Doutrina da Fé (nome dado à antiga Santa Inquisição desde
meados da década de 1960). E que, como papa, teve seu período marcado por uma
sucessão de escândalos, acusações de pedofilia, corrupção, falcatruas
financeiras, lavagem de dinheiro pelo Banco do Vaticano e por aí vai.
Conservador até a medula,
Bento XVI confrontou-se com católicos mundo afora e recusou toda a agenda
modernizante que envolve os costumes (do aborto ao casamento homossexual e ao
uso da camisinha) ou as demandas internas da Igreja (como o fim do celibato ou
o direito de mulheres celebrarem a missa).
Ele fez a opção pela direita
ainda jovem. Diz-se que foi durante o levante popular de maio de 1968 que o
então sacerdote que, no Concílio Vaticano 2º, havia partilhado de algumas
ideias renovadoras, transformou o marxismo em alvo principal, numa virada
conservadora que levaria ao papado.
Esse conservadorismo deu a
Bento XVI a glória duvidosa de ser o primeiro papa vaiado em cidades europeias
(como Barcelona e Londres, em 2010, e Berlim, em 2011) e na própria Praça de
São Pedro, em Roma (2012), por jovens católicos indignados com o silêncio
pontifical sobre o destino da jovem católica Emanuela Orlandi, assassinada em
1983, com suspeitas de envolvimento de hierarcas do Vaticano.
Há uma rede de intrigas em
torno do papa, que resulta das disputas pelo poder entre grupos de extrema
direita que ele próprio fomentou e prestigiou, desde os tempos de Karol
Wojtila. Há um ano, o “diário oficial” do Vaticano, L'Osservatore
Romano, descrevia o papa como “cercado por lobos”.
Os lobos eram, tudo indica,
desses grupos de direita da alta burocracia católica, alimentados pelo
anticomunismo de Ratzinger. E que disputam, palmo a palmo, o poder dentro da
instituição. Lá está a todo-poderosa Opus Dei (ligada ao secretário de Estado
do Vaticano, cardeal Tarcísio Bertone), em choque mortal com organizações como
Legionários de Cristo, Caminho Neocatecumenal, Comunhão e Libertação (ligada ao
papável cardeal Angelo Scola, de Milão, similar e rival da Opus Dei ligada à
direita italiana e ao berlusconismo).
A luta que as consome
envolve desde querelas palacianas típicas de monarquias absolutas como o
Vaticano, herdeiro contemporâneo deste anacronismo político, até vazamentos de
informações sobre escândalos e irregularidades que, no ano passado, levaram à
cadeia o próprio mordomo do papa, Paolo Gabriele. O arranca-rabo envolve altas
autoridades vaticanas, como cardeais em postos-chave de comando na hierarquia
católica. E revela uma fidelidade maior a interesses empresariais e materiais
do que à defesa da fé.
Há fortes sinais de que,
mais do que à saúde ou à debilidade para enfrentar o desafio de administrar o
catolicismo, a opção de Bento XVI (reconhecidamente um político atento) deva
ser atribuída à decisão de ter um papel proeminente em sua própria sucessão,
dando a ele – que, tudo indica, permanecerá em Roma até a escolha do novo
papa – o papel de grande eleitor.
Pela regra canônica, só
votam os cardeais com menos de 80 anos de idade; eles são 117 – todos
nomeados por João Paulo II (50) e pelo próprio papa renunciante (67). Entre
liberais, conservadores e o grupo que o elegeu em 2005 para o papado, Bento XVI
tem forte chance de manobrar e influir na eleição de um sucessor que dê
prosseguimento à orientação conservadora que marcou sua passagem pelo trono de
São Pedro.
Sucessor que vai gerir uma
Igreja cada vez mais alheia aos anseios do mundo moderno e que, logo no
primeiro ano sob Bento XVI, foi ultrapassada em número de fiéis pelo islamismo.
Em 2005 havia 1,3 bilhão de muçulmanos no mundo, contra 1,1 milhão de católicos.
E quase 800 milhões de pessoas que se declararam sem religião. No Brasil, maior
país católico, esse decréscimo vem preocupando a Confederação Nacional dos
Bispos do Brasil: ao passar de 93% da população em 1960 para 65% em 2010 –
isto é, em nosso país a Igreja Católica perdeu cerca de um cada três de seus
seguidores. Editorial do Portal Vermelho
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