terça-feira, 23 de junho de 2009

Curió, os 41 chacinados do Araguaia e Jobim

Na última quinta-feira (18), o ministro de Estado Tarso Genro (Justiça) foi a São Domingos do Araguaia anistiar e indenizar dezenas de camponeses torturados durante a repressão à Guerrilha do Araguaia (1972-1975). ''Estamos fazendo aqui um reconhecimento e um pedido de desculpas'', proclamou.

No domingo (21), O Estado de S. Paulo trouxe na manchete a resposta do autointitulado porta-voz dos carniceiros da guerrilha: ''Curió abre arquivo e revela que Exército executou 41 no Araguaia''. O arquivo confirma as piores denúncias sobre a selvageria repressiva, inclusive a degola de guerrilheiros.

No jornal, o tenente-coronel da reserva e prefeito cassado (por compra de votos) de Curionópolis Sebastião Curió revela que ''as Forças Armadas executaram 41 presos, sendo sete guerrilheiros recrutados na região''. Admite que estes tinham ''centenas de apoios'' e eram ''jovens idealistas que lutavam por uma sociedade mais justa'', mas explica que ''a ordem superior era não deixar rastros da guerrilha''. E, em entrevista na segunda feira (22), explicou: as ''ervas daninhas'' precisam ser eliminadas pelas raízes.

Ele afirma com cinismo que na matança ''as Forças Armadas cumpriram uma missão constitucional''. Como, se mataram prisioneiros indefesos? Como, se Curió e seus pares agiram clandestinamente, usando nomes frios, sem fardamento, à margem da própria legislação de arbítrio da época?

Que Curió pavoneie o seu cinismo. Que o expanda em um várias vezes prometido livro. Não se pode esperar outra coisa de um personagem que conspirou contra João Batista Figeiredo por querer um general mais à direita no comando da ditadura.

Mas é incorreto, é injusto e é indigno que as Forças Armadas, com seu silêncio, terminem deixando supor que Curió fala por elas. A nação brasileira precisa de Forças Armadas voltadas para defende-la no presente e no futuro, garantir sua soberania, mas não para arcar com crimes do passado ditatorial.

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, é um homem de leis. Entretanto, quando se pronuncia sobre o Araguaia e outros crimes da ditadura, parece ouvir apenas um círculo de militares de alta patente e idade avançada. Este resiste em ajustar as contas com os episódios infames (embora tenha o mérito, justiça se faça, de cingir suas Armas à sua missão constitucional, sem os intervencionismos do passado que culminaram na ditadura).

Por certo será outra a visão na oficialidade jovem, que nem era viva quando se combateu no Araguaia. Esta que faz das tripas coração, movida a patriotismo, para que o Brasil tenha defesas contra as ameaças do presente que não são poucas nem pequenas, não tem por que arcar com o peso e a desonra dos crimes de um passado já distante.

O ministro Jobim devia ouvir também estes pontos de vista, e os da cidadania, e de seus colegas Tarso Genro e Paulo Vannuchi, entre outros. Devia pensar a tarefa da Defesa em sua grandeza multifacética. Apreciar, sob esta luz, o valor estratégico de permitir, antes tarde do que nunca, a cicatrização das velhas feridas ditatoriais que ainda sangram. Deixar claro que Curió não passa de um fantasma isolado, sobra de um passado que não voltará.
Editorial do Portal Vermelho


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