Em Santa Maria em 1970, em plena euforia do milagre econômico e da vitória da seleção brasileira, já não sentia tanta preguiça no corpo para levantar de madrugada e se embrenhar na mata para cortar seringa.
Aos nove anos de idade eu já cortava, brocava, plantava, colhia e carregava. Limpava, remava, varejava, pescava, caçava e atirava. Pastorava, distalava, arrumava, arrochava, peneirava, trepava e apanhava. Não tinha sossego e nem diversão, meu maior descanso e alegria era quando ia pastorar arroz no roçado.
Eu e minha prima ficávamos “brincando de casal” e caminhando por dentro do arrozal. Quando o sol esquentava e a roçara coçava, a gente ia mergulhar no Igarapé Escondido, para aliviar o cansaço, era o momento de glória das graúnas e dos chupões que aproveitavam pra comer o arroz.
Lembro que na época o rádio não parava de referenciar e exaltar a seleção brasileira tricampeã do mundo. As músicas tocavam sem parar como “cantiga de grilo”. Félix, Carlos Alberto, Brito, Piazza, Everaldo, Clodoaldo, Gérson, Paulo Cesar, Pelé, Tostão, Jairzinho e Zagalo eram os heróis da "pária livre".
Duante o dia na estrada, "subindo terra e descendo", entre uma seringueira e outra, eu ia cantando as músicas da seleção. apesar de "pra frente brasil" ser a mais tocada, eu preferia uma outra do cantor repentista gaúcho Texerinha, este era o cantor mais popular na região junto com sua mulher e parceira Mary Terezinha. As musicas de Texeirinha eram as mais cantadas nas festas da região junto com as de Luiz Gonzaga e Trio Nordestino.
A radio Nacional não parava de falar em Marabá,(Pará)elogiar e mandar alô para um tal major Curió. Sebastião Rodrigues de Moura, o major Curió, o oficial vivo mais conhecido do regime militar (1964-1985), que comandou a repressão a Guerrilha do Araguaia (1972-1975). Um movimento guerrilheiro existente na região amazônica brasileira, ao longo do rio Araguaia, Criada pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B), que tinha como o objetivo fomentar a luta de resistência contra a ditadura militar instalada no Brasil. Enquanto a ditadura prendia , assassinava e silenciava seus crimes, a gente em Santa Maria, continuava com o pé na estrada cortando seringa para pagar a divida ao barracão e tirar um pouco de saldo, era o que interessava.
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