sábado, 20 de fevereiro de 2010

Minhas raízes e as Malícias do Barracão

Em santa Maria, aos 12 anos de idade, assumi a condição de seringueiro titular de um Volta de estrada de seringa. Estava motivado, já não tinha mais tanto medo de andar da selva sozinho. Eu já era dono de um balde, uma faca, um saco, uma espingarda e uma estopa. Meu pai preparou os utensílios necessários para me iniciar carreira solo.

O barracão no fim de cada ano, ao fazer um balanço, pesar a borracha e fazer o acerto de conta, anunciava a concessão de prêmios em três categorias: Um relógio marca Seiko, para o Tuchaua ( seringueiro da maior produção), Uma Calcinha de mulher para o preguiçoso ( menor produtividade) e um Bermuda de tergal para um menino, (categoria infanto- juvenil). Esse era titulo que eu sonhava e podia ganhar.

Para ganhar o titulo de tuchaua o seringueiro precisava ter estradas boas leite, cortar os seis dias da semana e às vezes até domingo e dia Santo. A expectativa era muito grande. Todos os seringueiros ficavam atentos observando suas pélas de borrachas subirem e descerem da balança e o desconto da Tara. (Previsão de redução de peso da produção até a borracha chegar a Manaus), isso era decido de forma monocrática pelo patrão.
O momento mais esperado era pelo anuncio do resultado final. O seringueiro que disputava o premio ficava ansioso pelo momento de colocar o relógio no Pulso e desfilar como campeão. O titulo também poderia lhe dá a condição para ganhar a mulher mais bonita do seringal. Eu com 12 anos de idade não possuía talento para vencer tão grande desafio, queria ganhar pelo menos minha bermuda de Tergal.

O seringueiro de baixa produtividade também ficava atento e nervoso com medo de ser ridicularizado e humilhado por todos os presentes na hora de receber o prêmio de preguiçoso – uma calcinha de mulher.
Logo no inicio do ano, no primeiro mês de corte Apareceu uma ferida na minha perna. A enfermidade crescia numa velocidade impressionante. Era um ferida braba (leishmaniose ). Não existia remédio de espécie alguma no seringal, salvo remédios caseiros de plantas medicinais. Minha mãe fazia cozimento de folhas de Capeba e alfavaca, lavava e amava umas tiras de pano e eu saia para cortar. Chegava da estrada com a perna toda ensangüentada e a ferida mais crescida.

A enfermidade começava se espalhar na minha perna esquerda, minha condição para caminhar na estrada estava ficando complicada, mas eu não queria parar de cortar, queria ganhar uma bermuda bonita e me preparar para mais adiante,ganhar um relógio e quem sabe... Uma mulher bonita.
Tomei consciência que a situação era grave quando um regatão mais entendido sobre o assunto passou em Santa Maria e aconselhou meus pais me levar para cidade. Eu e minha mãe arruamos a bagagem de viagem pegamos uma passagem no mesmo regatão e viemos direto para o hospital. Todo dia uma curativo, uma injeção e duas semana depois eu já estava voltando para Santa Maria com a perna quase sarada.

Apesar de ter perdido quase um mês de corte, Continuei na competição até chegar o fim do ano. Finalmente chegou o grande dia. O gerente convidou todos os seringueiros para o acerto de contas com o patrão que tinha chegado da cidade.

Começou o sobe e desce de borracha na balança. Os comentários que rolava no meio da seringueirada era somente um: quem serão os premiados com o relógio, a bermuda e a calcinha. A tardezinha veio o resultado. Foi convidado em primeiro lugar para receber o relógio o Tuchaua, aplausos! Em seguida fui chamado para Receber à bermuda de tergal, Aplausos! O anuncio do terceiro prêmio não veio. O patrão já sabia que o homem que tinha ficado em ultimo lugar de produção estava com uma peixeira de 12 polegadas “vazada de pé a ponta” ( amolada). Ele estava disposto acabar a brincadeira em derramamento de sangue. O patrão não quis correr o risco.
Os seringalistas usavam propagandas machistas e outros tipos de artifícios para aumentar a produção de borracha e seus lucros. Os seringueiros não queriam serem comparado com mulher- e muitas vezes tinham que sacrificar a própria saúde para não serem humilhados. Em Santa Maria, Jorge Alves, Conhecido por "Mestre Jorge", que sofria de problemas asmáticos e ficava semanas sem poder trabalhar, um dia acabou com a brincadeirinha do barracão.

Um comentário:

  1. Chagas, esse texto é mesmo seu? que lindo!
    Tão sincero, real, e sensivel, parece até meus pais ambos ex-seringueiros, contando suas historias pra mim e minha irmão.
    Adorei seu blog, vou voltar.
    Boa noite, Camarada

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