Por Claudio Lessa
O Brasil está prestes a dar um importante passo no sentido de deixar de ser fazendão e se tornar um País. Não é um passo gigantesco, mas é significativo, e tem a ver com o modo de escolha de seus representantes num sistema democrático onde excrescências do tipo “voto proporcional” ainda insistem em figurar nas regras do jogo.
O golpe (no bom sentido) da vez contra os picaretas que poluem o sistema político brasileiro é o projeto Ficha Limpa, que está em suas fases finais de tramitação no Congresso. Se você acabou de desembarcar de Marte, o projeto nada mais é do que a imposição de uma barreira simples e eficiente contra todos os criminosos que querem se esconder (e têm se escondido até hoje) no idiótico esquema de imunidade parlamentar, que protege os eleitos de qualquer posibilidade de punição – como se, na prática, o judiciário brasileiro (outra área mais-que-carente de reforma) efetivamente punisse alguém com meios ($$$) de se defender.
O projeto veta a candidatura de cidadãos que tenham “folha corrida” onde conste condenação colegiada, isto é, em segunda instância. Em outras palavras, a pessoa foi condenada em primeira instância por algum crime, recorreu e perdeu de novo. Essa segunda derrota, segundo o projeto Ficha Limpa, impede que a pessoa consiga que um partido lhe empreste a legenda para sua corrida eleitoral. Em outras palavras, é menos um crápula circulando nos corredores do Congresso.
Onde é que está o avanço neste aparente ovo de Colombo? Até recentemente, era entendimento de políticos e juristas (estes últimos, em grande medida, incestuosamente ligados aos primeiros) que uma condenação só vale, mesmo, depois de “transitar em julgado”. Trocando em miúdos, a pessoa só estaria efetivamente condenada depois de todos os recursos, chicanas, picaretagens, apelações, jeitinhos etc passíveis de serem aplicados no seu processo. Quando batesse o gongo e a pessoa não tivesse mais possibilidade de escapar da condenação (algo que, geralmente, demora cerca de duas décadas no falido judiciário do fazendão), a pessoa já teria sido eleita algumas vezes, roubado outras tantas, corrompido o sistema ainda mais etc, num círculo vicioso duro de roer.
Eis que de repente, dentro do piscinão de lama que se tornou a política do fazendão, alguns poucos tiveram a idéia de pensar diferente, e a meu ver, com bom senso: o impedimento de se eleger não é um cerceamento da liberdade. A pessoa não vai presa por causa disso. Pode ganhar seu pão normalmente e lutar contra seus processos na justiça como qualquer outra. Só não pode fazer parte de um clube seleto onde a ética, transparência, honestidade, espírito público e a vontade de servir à comunidade (e não aos próprios bolsos e interesses) são pilares desse clube, pré-requisitos para sua participação – e que regras dessa natureza, que envolvem moralidade, conduta ilibada etc também podem e devem ser estabelecidas. É, mais uma vez, uma questão de bom senso.
Para não abandonarmos os temas correntes, a exigência do projeto Ficha Limpa é análoga, por exemplo, à da vacinação contra a gripe suína. O Ministério da Saúde estabeleceu faixas etárias e grupos populacionais que têm o direito de receber a vacina gratuitamente. Os que não se enquadram simplesmente não são vacinados, ponto final. Se os que não se enquadram insistem em ser vacinados, podem obter a vacina mediante pagamento, no sistema privado. No caso do Congresso com o Ficha Limpa, os criminosos que desejam obter imunidade eterna contra seus processos não conseguirão mais fazer isso. Aqueles que quiserem insistir na vida criminosa ainda terão como fazê-lo, associando-se ao PCC, ou a Fernandinho Beira-Mar, ou a qualquer outro ilustre membro ou entidade da criminalidade do fazendão.
Serviço: se você quiser saber quem está trabalhando contra o projeto Ficha Limpa e quiser fazer pressão (e-mails, telefonemas etc) para que isso não aconteça, visite o endereço http://bit.ly/azDv7o.
Mas… lembre-se, leitor: o projeto Ficha Limpa é apenas um passo. Em outubro, você ainda votará em João mas arrastará junto com ele (elegerá) Silvio, Maria e Pedro. É preciso mudar isso, também.
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