O pragmatismo, a ética e o dever
Por Mauro Santayana
No monólogo da abertura de seu Doctor Faustus, Christopher Marlowe adverte: “Si peccasse negamus, fallimur, et nulla in nobis veritas”. Se não reconhecemos os nossos pecados, nada da verdade existe em nós.
A campanha eleitoral está se transformando em triste confronto entre o pragmatismo e a ética. Uma corrente de humanistas defende o princípio de que o verdadeiro pragmatismo é o que respeita os fundamentos imemoriais da ética. Esse pensamento encontra eco no conselho de que, na dúvida, devemos sempre apostar na honra.
Uma coisa, na construção do poder, é a concessão doutrinária. Para encontrar o centro – e não se governa senão pelo centro – os partidos podem ceder em seus programas e estabelecer pactos em que todos os contratantes ganham alguma coisa para perder outras. Mas há limites para esses acordos, quando envolvem a comunidade, e esses limites estão sendo esquecidos nas candidaturas presidenciais e em quase todas as estaduais.
Tanto o PSDB quanto o PT nasceram do discurso ético. Os dissidentes do PMDB, paulistas e mineiros, que se levantaram contra o poder dos governadores eleitos em 1986, apelaram para a social-democracia, em nome da moralidade política. O PT foi ainda mais autêntico em sua gênese, quando se reuniram os sonhadores com a igualdade social e os defensores dos bons costumes na administração do Estado. De repente, nos dois partidos, a luta por minutos e segundos nos programas de televisão conduz a arriscadas e pecaminosas concessões. Quando o PSDB negocia o apoio de Roberto Jefferson e cata os votos dos seguidores de Arruda no Distrito Federal, e o PT de Minas se vê tangido a apoiar o candidato do PMDB ao governo do estado, os princípios deambulam no deserto, escorraçados pelo ilusório pragmatismo.
O presidente, com todos os seus irrecusáveis méritos, parece estar testando a própria força, e criando obstáculos para ter o gosto de vencê-los. Isso se revela na construção das alianças estaduais, que devem servir de suporte à aliança nacional com o PMDB. Com o PMDB não, com uma parcela dele, que parece ter mais votos – embora tenha abandonado os princípios que lhe deram origem. Mesmo assim, o processo está sendo difícil. Na Bahia, os dois partidos marcham separados. No Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná, está sendo muito improvável o acordo bipartidário, porque as lideranças regionais do PMDB, entre elas Pedro Simon e Luis Henrique, contestam a direção nacional, e apoiavam a candidatura de Roberto Requião à Presidência da República pelo partido. Requião teve mais de cem votos convencionais, o que não pode ser desprezado. Em São Paulo, o PMDB está dividido entre Quércia, que tem os votos do interior, e Temer, que presume controlar a máquina. Se isso ocorre em quase todos os estados, no caso particular de Minas é muito mais penoso. Depois de obter a aquiescência de Fernando Pimentel – velho companheiro da candidata Dilma Rousseff – para uma aliança formal com o candidato do PMDB ao governo de Minas, a direção nacional do PT se esforça em conseguir concessão bem mais difícil: a concordância de Patrus em aceitar a candidatura a vice-governador.
Patrus tem sido, em sua vida pública, homem de valores sólidos e translúcidos, como os cristais do Espinhaço, em cujas encostas nasceu. Os mineiros sabem que qualquer seja sua decisão, ela não será ditada por uma razão menor.
Por Mauro Santayana
No monólogo da abertura de seu Doctor Faustus, Christopher Marlowe adverte: “Si peccasse negamus, fallimur, et nulla in nobis veritas”. Se não reconhecemos os nossos pecados, nada da verdade existe em nós.
A campanha eleitoral está se transformando em triste confronto entre o pragmatismo e a ética. Uma corrente de humanistas defende o princípio de que o verdadeiro pragmatismo é o que respeita os fundamentos imemoriais da ética. Esse pensamento encontra eco no conselho de que, na dúvida, devemos sempre apostar na honra.
Uma coisa, na construção do poder, é a concessão doutrinária. Para encontrar o centro – e não se governa senão pelo centro – os partidos podem ceder em seus programas e estabelecer pactos em que todos os contratantes ganham alguma coisa para perder outras. Mas há limites para esses acordos, quando envolvem a comunidade, e esses limites estão sendo esquecidos nas candidaturas presidenciais e em quase todas as estaduais.
Tanto o PSDB quanto o PT nasceram do discurso ético. Os dissidentes do PMDB, paulistas e mineiros, que se levantaram contra o poder dos governadores eleitos em 1986, apelaram para a social-democracia, em nome da moralidade política. O PT foi ainda mais autêntico em sua gênese, quando se reuniram os sonhadores com a igualdade social e os defensores dos bons costumes na administração do Estado. De repente, nos dois partidos, a luta por minutos e segundos nos programas de televisão conduz a arriscadas e pecaminosas concessões. Quando o PSDB negocia o apoio de Roberto Jefferson e cata os votos dos seguidores de Arruda no Distrito Federal, e o PT de Minas se vê tangido a apoiar o candidato do PMDB ao governo do estado, os princípios deambulam no deserto, escorraçados pelo ilusório pragmatismo.
O presidente, com todos os seus irrecusáveis méritos, parece estar testando a própria força, e criando obstáculos para ter o gosto de vencê-los. Isso se revela na construção das alianças estaduais, que devem servir de suporte à aliança nacional com o PMDB. Com o PMDB não, com uma parcela dele, que parece ter mais votos – embora tenha abandonado os princípios que lhe deram origem. Mesmo assim, o processo está sendo difícil. Na Bahia, os dois partidos marcham separados. No Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná, está sendo muito improvável o acordo bipartidário, porque as lideranças regionais do PMDB, entre elas Pedro Simon e Luis Henrique, contestam a direção nacional, e apoiavam a candidatura de Roberto Requião à Presidência da República pelo partido. Requião teve mais de cem votos convencionais, o que não pode ser desprezado. Em São Paulo, o PMDB está dividido entre Quércia, que tem os votos do interior, e Temer, que presume controlar a máquina. Se isso ocorre em quase todos os estados, no caso particular de Minas é muito mais penoso. Depois de obter a aquiescência de Fernando Pimentel – velho companheiro da candidata Dilma Rousseff – para uma aliança formal com o candidato do PMDB ao governo de Minas, a direção nacional do PT se esforça em conseguir concessão bem mais difícil: a concordância de Patrus em aceitar a candidatura a vice-governador.
Patrus tem sido, em sua vida pública, homem de valores sólidos e translúcidos, como os cristais do Espinhaço, em cujas encostas nasceu. Os mineiros sabem que qualquer seja sua decisão, ela não será ditada por uma razão menor.
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