sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Lula 20 anos depois

Dia desses, eu escrevi aqui que a oposição cerrada a Lula (e a Dilma) não vem dos grandes capitalistas.

Essa talvez seja uma diferença importante em relação a 64. Naquela época, como hoje, a coligação reacionária envolvia “grande imprensa”, latifundiários, Igreja e classe média que marchava com Deus e pela Liberdade. Naquela época, os empresários (grandes e pequenos) estavam apavorados. Havia a Guerra Fria e o fantasma do “comunismo”.
O velho partidão (PCB) acreditava numa ilusória aliança com a “burguesia nacional”, para sustentar Jango e as reformas. Mas a burguesia tinha outros planos, e implorou pelo golpe – que veio.
Saltemos 20 anos. Na década de 80, no PT, o grande debate era: como atrair a “classe média” e os pequenos empresários para a coligação de esquerda.
O petismo (e eu acompanhava bem de perto esse debate) acreditava que, pra governar, era preciso agregar, aos setores mais organizados da classe trabalhadora (sindicatos, associações de bairro, estudantes, CEBs etc), as tais “camadas médias urbanas”.
Em 89, essa aliança não ocorreu. Lula teve no primeiro turno os votos dos “setores organizados”. No segundo, ganhou parte da “massa desorganizada”, ou do “lúmpen” (como, de forma arrogante, alguns petistas se referiam ao povão das periferias), graças ao apoio decisivo de Brizola – transferindo “todos” os votos no Rio e no Rio Grande do Sul.
O grande empresariado também fugiu de Lula e do PT. Mario Amato, da FIESP, falava que milhares de empresários iriam embora do país se Lula ganhasse. O que levou alguns amigos gaiatos, da USP, a organizar uma grande festa entre o primeiro e segundo turno: foi o “bota-fora do Mario Amato”, na casa do Pedro e do Álvaro Puntoni (QG das “nossas” grandes festas naquela época em São Paulo).
Em 94 e 98, empresários e classe média ficaram com os tucanos. Além de boa parte do povão “desorganizado”, que fora favorecido pela estabilidade do Real.
Pois bem. Em 2002 e 2006, Lula conseguiu uma aliança que não tem nada a ver com as “tradições petistas” de “agregar a classe média”.
Lula fez uma aliança inesperada, incluindo “setores organizados”, povão desorganizado e o grande empresariado.
A classe média ficou fora. E continua de fora.
É ela que baba de raiva nas “correntes da internet”, e nas ruas e bares paulistanos, cariocas e gaúchos. Essa classe média não suporta olhar para a cara de Lula, o “nordestino dos 4 dedos”.
E o grande empresariado? Esse vota com o bolso.
Pensei em tudo isso ao ler o artigo de Emilio Odebrecht, que me foi enviado por uma boa amiga jornalista, dessas que trabalham na “grande imprensa”, mas sabe muito bem que não é “sócia” dos patrões (nem nos lucros, nem no pensamento).
O artigo do Odebrecht expressa a perplexidade de um grande empresário diante de uma imprensa que caiu no gueto. Uma imprensa que fala (só) para essa classe média raivosa que parece não gostar do Brasil, uma imprensa que não reconhece os avanços do país.
O artigo de Odebrecht (a quem conheço só de nome) é o símbolo dessa estranha (mas efetiva) aliança lulista: “classe trabalhadora organizada”, “povão desorganizado” e “grandes capitalistas”.
Quem está fora da “grande coalizão” é a classe média, associada aos ruralistas e aos donos da mídia. Essa base votará em Serra aconteça o que acontecer.
O nó para Serra é: como atrair parte dos lulistas sem desagradar à direita que baba na gravata?
Isso é problema do Serra.
21 anos depois daquela eleição (vencida por Collor, no fim das contas), a gente não poderia mais organizar “bota-fora” pro presidente da FIESP e pros grandes empresários.
Em 89 era tudo mais divertido. Mas, em 2010, temos um país mais sólido.
Apesar dessa turma que baba na gravata de tanta raiva. Pra espanto seu, meu. Pra espanto, também, do Emílio Odebrecht.

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