sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Fidelidade-partidaria?

Quando presidente do PT, várias vezes fui fazer consultas ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para exigir fidelidade partidária de deputados que deixavam o PT. Sempre ouvi uma resposta direta e conclusiva: na Constituição não há referência à perda de mandato por infidelidade partidária, em seu artigo 55, que enumera as causas da perda do mandato.


O TSE instituiu a fidelidade partidária ao decidir, em março de 2007, que o mandato pertence ao partido e, portanto, um político poderia perdê-lo caso mudasse de legenda. Em outubro daquele ano, o STF (Supremo Tribunal Federal) ratificou a decisão e ordenou que o TSE definisse as regras para a cassação. O tribunal, então, editou resolução em que o político não perderia seu mandato em casos de fusão de legendas, saída para a fundação de uma nova sigla, mudança do programa partidário ou discriminação sofrida pelo partido.



Aparentemente, havia sido feito um bem para o país, ainda que por meios tortos, pois estava, na prática, legislando ―da mesma forma que já vinha fazendo durante as eleições em vários aspectos. O comportamento levou o Congresso Nacional a aprovar uma nova legislação eleitoral para impedir que os ministros do TSE continuassem a usurpar seu poder exclusivo de legislar, segundo nossa Constituição.

Quando o TSE instituiu a fidelidade partidária, condenou a mudança de partido de políticos da oposição para os partidos da base do governo e tomou posição claramente crítica ao governo do presidente Lula. A ponto de o ministro Arnaldo Versiani ter afirmado ―ao votar contra o pedido não aceito do PT para manter o mandato do deputado Paulo Rubens, que se filiara ao PDT mesmo tendo sido eleito há pouco tempo pelo PT― que “a postura ideológica e a política desempenhada pelo PT terminaram por sofrer modificações a partir de 2003, com a ascensão ao governo federal”.

A manifestação da Corte mostrou-se completamente contraditória às razões do mesmo tribunal quando instituiu a fidelidade partidária, numa evidente demonstração de julgamento político. Não caberia ao TSE decidir se um partido mudou ou não de programa ou ideologia, ou mesmo de “política”, pois é da natureza dos partidos, principalmente de um partido que toma decisões democraticamente como o PT, mudar sem abrir mão de sua ideologia ou programa. Ou seja, a alteração não implica necessariamente em mudança da natureza do partido.

Não há nada que justifique a mudança de partido, a não ser o desejo de ir para a oposição. Isso é nítido em casos como o do deputado Paulo Rubens, que traiu o voto do eleitor que o elegera.
Fiquei estupefato com tal reviravolta sem maiores explicações nas decisões recentes do TSE, autorizando deputados e senadores a mudar de partido. Em 17 casos analisados, só um perdeu o mandato. Sem pudores, a Corte aplicou “a fidelidade para inglês ver”, mas no passado recente impediu a mudança de parlamentares do PSDB e DEM para partidos da base do governo ―prática quase que diária no governo FHC, sob o pretexto de infidelidade com apoio de toda a mídia, que os chamava de “infiéis” e clamava por suas cassações via TSE.

Agora salta à vista a decisão política do TSE, confirmada pela leniência e pela cumplicidade com a infidelidade partidária, o que comprova o casuísmo nos julgamentos do tribunal e a necessidade urgente de uma mudança legal via Congresso Nacional.

Aliás, diga-se, errou o Congresso ao não instituir a fidelidade partidária via emenda constitucional. Errou também, de boa ou ma fé, o TSE ao instituir uma fidelidade “faz de conta” e, pior, ao ser transformar em um tribunal político que julga o caráter dos programas partidários. O tribunal tem atuado como uma espécie de comissão de controle existente em partidos comunistas e que julgava a filiação ou o mandato de seus membros.



A solução é simples: eleito por um partido, o cidadão só poderá deixá-lo no final do mandato e fica sem mandato e só pode se candidatar na próxima eleição. É uma quarentena de dois anos, já que temos eleições a cada dois anos. Dessa forma, o julgamento fica nas mãos do eleitor, e o político terá de pagar um preço por deixar seu partido. É o mínimo, se quisermos realmente instituir a fidelidade partidária e não apenas fazer oposição a esse ou aquele governo, ou agir como tribunal político.

José Dirceu, 63, é advogado e ex-ministro da Casa Civil

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