Jorge Viana
Não desejo expor aos leitores uma questão política paroquial, destas que, seja no Acre ou no Rio de Janeiro, acontecem mais para apequenar que para aperfeiçoar a democracia brasileira.
Mas preciso citar um imbróglio político judicial no qual me vi envolvido, pela clareza com que ilustra a absurda criminalização da atividade política neste momento em que o Brasil vai se afirmando como uma referência de democracia em países até há pouco classificados como Terceiro Mundo.
Fui entrevistado em um programa de TV muito assistido em Rio Branco, Acre. Entre coisas, respondi sobre política e eleições. Afirmei que estou me desligando das atividades empresariais que exerço para permitir ao PT incluir meu nome no debate das pré-candidaturas ao Senado pelo Acre.Foi o suficiente para um membro do Ministério Público Federal me denunciar por campanha eleitoral extemporânea.
O mais estranho é que gente de todos os partidos adversários do PT já havia passado no mesmo programa, inclusive anunciado candidaturas decididas.
Mas foi somente para mim que sobrou a tentativa de incriminação.Felizmente, a justiça se fez rápido pelo juiz federal que me inocentou do suposto crime político.
Vivi experiência mais dura em 2002.
Um TRE impregnado de interesses me cassou a candidatura à reeleição ao governo do Acre. Sempre confiei na Justiça, o TSE me garantiu o direito e o povo me reelegeu no primeiro turno.
O ponto aonde quero chegar com a citação desse caso é que, não bastante a judicialização da política, que sob o beneplácito do Congresso Nacional, que não fez a reforma política, transfere prerrogativas do Parlamento para os tribunais, agrava-se perigosamente a criminalização da política.
Preocupa que o equívoco antes restrito ao discurso fácil e falso moralista de que o exercício da política seria reservado a picaretas e bandidos comece a repercutir em representações judiciais de Estado, que são vésperas de sentenças. Isto é a criminalização da política sob nova forma, já que sua essência é antiga. Esse mesmo falso moralismo pavimentou a ascensão do nazismo de Hitler e também a insustentável consagração eleitoral de Collor no Brasil de 1989. Isso só para ficarem dois dos exemplos clássicos, um estrangeiro, outro daqui.
Claro que a corrupção explícita tanto no governo Collor quanto no antecessor que lhe serviu o discurso merece o rigor da lei, da Justiça e da polícia. Isso também vale para as recentes revelações de ligação de grupos políticos com fortunas camufladas em paraísos fiscais, mensalões e sujeiras do tipo. No entanto, nada legitima a condenação antecipada de quem decide exercer a política, senão o despreparo e o descompromisso com a democracia.
As instituições constituídas para zelar pela democracia, o que inclui ministérios públicos e tribunais eleitorais, devem incentivar a participação político partidária, porque sem isso não há democracia, cidadania nem liberdade a zelar. Por isso é inaceitável a profusão de denúncias de motivação eleitoral contra o próprio presidente da República, que soa como uma intimidação geral à participação política dos brasileiros.
Lula tem estatura e grandeza para acreditar na Justiça e saber buscá-la.
Ele enfrentou até a odiosa Lei de Segurança Nacional da ditadura militar, e será melhor para o país se o seu exemplo for bastante para neutralizar na consciência dos cidadãos o ranço intimidatório da criminalização da política.
Também positivo é que o povo, sempre mais sábio, justamente agora sinaliza com sentimento inverso ao preconceito político. Os fatos mostram que o brasileiro está cada vez mais interessado em participar dos processos políticos e eleitorais. Indicativo interessante é o crescimento da candidatura presidencial de Dilma Rousseff nos meses de janeiro e fevereiro, contrariando até a regra clássica de que nada acontece na política brasileira antes do carnaval.
Política é um direito do cidadão que, no sentido mais solidário da cidadania, se transforma mesmo em um dever.
Não existe sociedade sem regras, não existe justiça se as regras não forem democráticas e não existe democracia sem o exercício da política. Por acreditar nisso não tenho medo de ser político. E se tenho uma pretensão, é contribuir para mostrar à sociedade que nem todo político calça quarenta.
• Artigo publicado originalmente no Jornal O Globo.
Não desejo expor aos leitores uma questão política paroquial, destas que, seja no Acre ou no Rio de Janeiro, acontecem mais para apequenar que para aperfeiçoar a democracia brasileira.
Mas preciso citar um imbróglio político judicial no qual me vi envolvido, pela clareza com que ilustra a absurda criminalização da atividade política neste momento em que o Brasil vai se afirmando como uma referência de democracia em países até há pouco classificados como Terceiro Mundo.
Fui entrevistado em um programa de TV muito assistido em Rio Branco, Acre. Entre coisas, respondi sobre política e eleições. Afirmei que estou me desligando das atividades empresariais que exerço para permitir ao PT incluir meu nome no debate das pré-candidaturas ao Senado pelo Acre.Foi o suficiente para um membro do Ministério Público Federal me denunciar por campanha eleitoral extemporânea.
O mais estranho é que gente de todos os partidos adversários do PT já havia passado no mesmo programa, inclusive anunciado candidaturas decididas.
Mas foi somente para mim que sobrou a tentativa de incriminação.Felizmente, a justiça se fez rápido pelo juiz federal que me inocentou do suposto crime político.
Vivi experiência mais dura em 2002.
Um TRE impregnado de interesses me cassou a candidatura à reeleição ao governo do Acre. Sempre confiei na Justiça, o TSE me garantiu o direito e o povo me reelegeu no primeiro turno.
O ponto aonde quero chegar com a citação desse caso é que, não bastante a judicialização da política, que sob o beneplácito do Congresso Nacional, que não fez a reforma política, transfere prerrogativas do Parlamento para os tribunais, agrava-se perigosamente a criminalização da política.
Preocupa que o equívoco antes restrito ao discurso fácil e falso moralista de que o exercício da política seria reservado a picaretas e bandidos comece a repercutir em representações judiciais de Estado, que são vésperas de sentenças. Isto é a criminalização da política sob nova forma, já que sua essência é antiga. Esse mesmo falso moralismo pavimentou a ascensão do nazismo de Hitler e também a insustentável consagração eleitoral de Collor no Brasil de 1989. Isso só para ficarem dois dos exemplos clássicos, um estrangeiro, outro daqui.
Claro que a corrupção explícita tanto no governo Collor quanto no antecessor que lhe serviu o discurso merece o rigor da lei, da Justiça e da polícia. Isso também vale para as recentes revelações de ligação de grupos políticos com fortunas camufladas em paraísos fiscais, mensalões e sujeiras do tipo. No entanto, nada legitima a condenação antecipada de quem decide exercer a política, senão o despreparo e o descompromisso com a democracia.
As instituições constituídas para zelar pela democracia, o que inclui ministérios públicos e tribunais eleitorais, devem incentivar a participação político partidária, porque sem isso não há democracia, cidadania nem liberdade a zelar. Por isso é inaceitável a profusão de denúncias de motivação eleitoral contra o próprio presidente da República, que soa como uma intimidação geral à participação política dos brasileiros.
Lula tem estatura e grandeza para acreditar na Justiça e saber buscá-la.
Ele enfrentou até a odiosa Lei de Segurança Nacional da ditadura militar, e será melhor para o país se o seu exemplo for bastante para neutralizar na consciência dos cidadãos o ranço intimidatório da criminalização da política.
Também positivo é que o povo, sempre mais sábio, justamente agora sinaliza com sentimento inverso ao preconceito político. Os fatos mostram que o brasileiro está cada vez mais interessado em participar dos processos políticos e eleitorais. Indicativo interessante é o crescimento da candidatura presidencial de Dilma Rousseff nos meses de janeiro e fevereiro, contrariando até a regra clássica de que nada acontece na política brasileira antes do carnaval.
Política é um direito do cidadão que, no sentido mais solidário da cidadania, se transforma mesmo em um dever.
Não existe sociedade sem regras, não existe justiça se as regras não forem democráticas e não existe democracia sem o exercício da política. Por acreditar nisso não tenho medo de ser político. E se tenho uma pretensão, é contribuir para mostrar à sociedade que nem todo político calça quarenta.
• Artigo publicado originalmente no Jornal O Globo.
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